A relação entre o consumo de maconha e o cérebro tem sido um tema de grande interesse entre pesquisadores e profissionais de saúde. Por muitos anos a erva vem sendo demonizada e perseguida, mesmo existindo inúmeras provas científicas que mostram a potência terapêutica e medicinal que esta planta tem.
Por isso, é muito importante ter conhecimento de suas propriedades benéficas e compartilhar dessas verdades com as pessoas, para que aos poucos a gente consiga dar um fim ao discurso proibicionista e à guerra às drogas, que só vem tirando a vida de pessoas inocentes, atrasando o desenvolvimento da ciência e impedindo pacientes de receberem um melhor tratamento.
Porém, quanto mais a gente reafirma e exalta as qualidades desta planta, mais cuidado temos que ter com o excesso de elogios, que podem levar a um endeusamento perigoso dela.
Segundo dados levantados pelo Levantamento Nacional do uso de Álcool e Drogas, publicado em 2012, mais da metade dos usuários haviam experimentado maconha antes dos 18 anos de idade.
Por mais que a cannabis medicinal possa salvar a vida de muitos jovens, através da aplicação em casos de distúrbios motores, por exemplo, é importante lembrar que o seu uso recreativo pode afetar de forma negativa o desenvolvimento do cérebro.
Mas por quê?
Desde que a gente nasce, até os 25 anos mais ou menos, o nosso cérebro passa por um processo chamado de maturação neural, ou seja, um processo de amadurecimento e especialização do cérebro, onde ele pega todos os neurônios livres e os encaminha para funções específicas.
É durante esse período que o cérebro está mais apto para aprender e absorver conhecimento. Depois que ele tiver distribuído tarefas para todos os seus neurônios livres, o cérebro já estará especializado e a gente consegue exercer as funções que aprendemos com maior facilidade.
E é aqui que entra a maconha neste cenário. Diferente do que os mitos dizem, a cannabis não mata neurônios, muito pelo contrário, ela promove neurogênese, que é o processo de formação de novos neurônios. A partir do momento em que o cérebro jovem já está lotado de neurônios, ela acaba atrapalhando seu processo de desenvolvimento. Isso mostra que, realmente, tudo em excesso faz mal, até mesmo neurônios.
O cérebro foi feito para trabalhar com o que se tem de neurônios e só assim consegue manter seu equilíbrio. Se no momento em que ele deveria estar se preocupando em dar funções para os seus inúmeros neurônios, a gente bombardear ele com novos neurônios, o cérebro vai acabar se confundindo na hora de aprender as coisas.
Para muitas pessoas, essas novas conexões que a maconha promove deixam o cérebro mais criativo, com novas possibilidades de pensamento, e isso acaba sendo positivo, pois a pessoa tem repertório para aplicar aquela carga neural de criatividade em alguma coisa.
Já para o jovem, que não tem tanto repertório, essa carga extra pode prejudicar seu aprendizado, pois vai gerar neurônios em excesso. De que adianta tanta criatividade, ideias e pensamentos para um cérebro que ainda está se habituando a exercer funções mais básicas?
É isso que acontece com o cérebro: ele pode até ficar mais criativo e pensativo, mas isso pode não necessariamente ser positivo, pelo fato do cérebro ainda não ter atingido uma maturidade capaz de suportar estes estímulos.
Isso pode acabar causando a chamada síndrome amotivacional, uma falta de motivação para fazer as coisas, o que não significa preguiça ou irresponsabilidade, mas simplesmente uma cabeça cheia de ideias e sem repertório para executá-las…
Em contrapartida, no cérebro idoso, acontece exatamente o contrário. Como ele já treinou e a maior parte de seus neurônios, fica mais difícil de aprender qualquer coisa, pois faltam neurônios disponíveis!
O que a maconha vai fazer nesse caso é gerar novos neurônios, promover novas conexões, para que novas funções sejam aprendidas. Ela vai ajudar na flexibilização de um cérebro mais rígido, dando de volta a ele sua plasticidade neural (capacidade do cérebro de mudar, se adaptar e fazer novas conexões).
Por isso, se escolher fazer uso da maconha, é interessante esperar o máximo possível, pois muitas vezes ela pode fazer mal sem você perceber na hora, mas a longo prazo seu cérebro pode sentir algumas sequelas.
E se já tiver começado cedo a fazer uso frequente, experimente ficar um tempo sem: isso dá espaço para seu cérebro se desenvolver sem a interferência incisiva da maconha.
E mesmo que volte a usar, nunca deixe seus neurônios à toa! Seu cérebro é como um grande músculo que deve sempre ser exercitado: seja aprendendo uma língua, praticando um esporte, estudando algo que goste, resolvendo enigmas, lendo livros, entre vários outros.
Vale lembrar que mesmo com tudo isso, a cannabis continua tendo suas qualidades medicinais e terapêuticas para diversas pessoas, e que absolutamente ninguém deveria ser criminalizado pelo seu uso.
O importante é que tenhamos conhecimento do que ela pode causar, seja bom ou seja ruim, para que cada um possa fazer uso, de forma responsável, e possa aproveitar ao máximo as inúmeras qualidades desta planta.
(Lembrando que não incentivamos o uso de nenhuma substância. Apenas compartilhamos conhecimento para que cada um possa escolher por si o que fazer ou não com seu corpo).
NOSSAS REFERÊNCIAS:
LENAD II - Levantamento Nacional do uso de Álcool e Drogas.
Acesso em: https://inpad.org.br/wp-content/uploads/2014/03/Lenad-II-Relat%C3%B3rio.pdf
Uso de Cannabis na adolescência: riscos e orientações. Texto publicado no site Girls In Green.
Acesso em: https://girlsingreen.net/uso-de-cannabis-na-adolescencia/
Sidarta Ribeiro (Neurocientista), em entrevista para Kaya Mind.
Acesso em: https://kayamind.com/entrevista-sidarta-ribeiro/
Luís Fernando Tófoli (professor) e Sidarta Ribeiro (Neurocientista), em entrevista para a Smoke Buddies.
Acesso em:
Cannabis: como isso afeta nossa cognição e psicologia – nova pesquisa; matéria publicada pelo canal The Conversation;
Acesso em: https://theconversation.com/cannabis-how-it-affects-our-cognition-and-psychology-new-research-180987
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